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Monday

O grande circulo

O peso imóvel e perfeito
O coração... sarado
Olho para os papeis com palavras passadas, sem nexo, e à medida que me recosto no sofá e pressiono o botão, as imagens começam a desfilar no televisor como nenúfares estáticos e isolados, completamente sem sentido, e único, lembro-me que respiro para sempre.
Preciso de mim como era, como quero ser, não posso continuar a projectar o corpo em vão, tenho os dias contados num caderno qualquer, e uma vontade infindável de sentir.
As imagens continuam a passar sem piedade, como armas de guerras, nas quais nunca combati, a solidão voluntária faz-me pensar na importância da felicidade daqueles que morreram, e solto um sorriso honesto por eles, mas logo volto a mim, e a sala vazia, pálida e fria, à dualidade da existência, ao toque desvanecido daqueles que me tocaram, à insensatez breve do começo e do fim, e de tudo o resto que permanece entre esses dois pontos obrigatórios e imutáveis, que me irão conduzir finalmente a mim... Talvez... não sei, nunca viverei para ver o ocaso de tudo.
Sinto o meu corpo a vir à tona do lago, os meus olhos encharcados começam a enxergar, as árvores de um verde intenso e o azul acetinado do céu, e de repente, tudo se transforma, e eu sou a transformação, e consigo por fim sentir a beleza, no entanto, tudo está estranhamente imóvel, perfeito e... absoluto.

Uma questão de princípios

Olhei para dentro, e tentei repirar, afastar o peso do tempo, que me tornou numa farsa sem fim nem começo. Percebo agora que a vontade é escrava dos dias que restam para que a paixão acabe, e que o coração começa a bater mais devagar à medida que o instantâneo perfeito se vai esbatendo, os contornos, indefinidos, do que outrora foi o ínicio, revelam um paralelismo invulgar com a condição primária do ser, e do aceitar de que para que possamos ser abençoados com o começo, temos de antemão aceitar o fim inevitável. No entanto, continuamos a preferir a cegueira voluntária, o sonho, ou até a rotina, e aí permanecemos indefinitivamente no casulo fechado, no estado intermédio, entre a origem e a plenitude, aguardando a chegada de um deus que não existe, em frente a uma televisão de cristal.
O meu desejo... esse... é que amanhã possa ser eu.

Sunday

Bus 911

Uma viagem de autocarro, as pessoas adormecidas, planeiam a fuga para lugar nenhum.
A brevidade da viagem, o emprego miserável, a casa para pagar, e o sonho de um amanhã excepcional. A paisagem imóvel corroi a cegueira permanente dos nossos destinos, para que possamos acreditar que ainda controlamos o futuro.
Muitos dirão no fim da viagem que tudo não passou de uma etapa superada rumo a libertação, mas as marcas das correntes nos pulsos e no peito contam uma história diferente, a da auto-escravidão por um ideal estranho, do grito abafado por uma mão amiga, e viveremos felizes para sempre retidos na alfândega da mente, anestesiados neste pseudo-país, neste corpo findável de desejos perdidos.

Saturday

Aleatório

Hoje vou enterrar amigos esquecidos
Saborear o cheiro do verão
Abraçar o vazio como um amante distante
Voltar a acreditar nas histórias que contei
E resignar-me para sempre
Às vozes na minha cabeça
Para nunca mais voltar
Pegunto-te o teu nome
Respondes-me para sempre
A conversa pode ficar para outra altura qualquer
E à medida que o silêncio dá lugar ao nascer do sol
Volto a acreditar que é possivel mentir
E retiro da equação o factor variável